Há uma estranha acalmia. Digo-o com provas, acabo de passar por
campos que dormitam e acabo a contemplar o mar, muito cansado, a
sossegar-se. Há dias era muito brava a borrasca, queria beber-nos inteiros
e afogar-nos a todos. Agora lavou-se céu e terra, não há deuses
desorientados nem seres humanos a bramir. Longos caudais vão-se
dessecando. Barragens apertam-se para ganhar espaço. As vinhas agradecem os pés ainda molhados e o resto da água ora se escoa ora
se evapora, talvez volte a chover mas mais tarde e já com sensatez.
Os desvalidos, os desalojados, os políticos, ainda se acusam. É que
a mãe natureza não obedeceu ao Homem, ser castigador, condutor dos
povos. A mãe natureza não entende a sua língua e sabe no seu íntimo
de fogo e terra, de água e ar, de espíritos mágicos e olhos de visões
de longo alcance, que nenhum Homem a conhece a ponto de ser capaz
de a conquistar.
Há uma estranha acalmia, agora. Pássaros trocam recados
e esclarecem: que erro é desejar um mundo melhor. Não há. Vivemos
no melhor dos mundos. Pena não haver melhores utentes para o melhor
dos mundos. Uma brisa quase quente brinca com cristas de onda e areia
que se move docemente. Correm dois cães pela praia e uma criança,
indiferente aos adultos, constrói uma espécie de poema que cheira a algas
e a dias novos.
Oiço os últimos dias do ano a afastarem-se, cabisbaixos. Oiço
os passos de um novo ano que se aproxima.
Há uma estranha acalmia, agora, em mim. E não estou habituado.
É só nesses instantes que recordo. E ao recordar reprimo lágrimas. E nas
lágrimas revejo-me como se os meus espelhos de sal e água fossem
o que eu sempre fui.
Alexandre Honrado
Sem comentários:
Enviar um comentário