Era uma vez um rapaz que gostava de bolsos. Grandes, pequenos, médios e assim-assim. Nos primeiros arrumava os cadernos da escola, nos segundos, as pedras redondas e as moedas, nos médios, os pacotes de leite com chocolate e nos assim-assim, tudo o que sendo invisível para os olhos da maioria das pessoas era importantepara ele. Os pensamentos e os projetos por exemplo. Não se veem, mas são reais e o rapaz guardava-os para nunca se esquecer deles. Também era um rapaz com sorte. A mãe sabia costurar e ele acreditava que os seus dedos eram mágicos e que, se ela desejasse, poderia fazer-lhe um casaco com asas que lhe permitisse voar.
À noite o rapaz sentava-se num banco baixo junto dela e as agulhas iam e vinham e as linhas de cor e lá fora na rua gelada o ruído dos elétricos sobressaltava-os sempre um pouco, apesar de ali habitarem há uma eternidade. Para o rapaz a eternidade tinha dez anos, exatamente a sua idade, acrescida dos três anos que o separavam do irmão mais velho.
— Se tivesse um casaco com asas e muitos bolsos — dizia — levaria comigo tudo de que preciso e poderia voar até ao cimo das árvores mais altas ou dos cumes das serras ou dos mastros dos navios. Ou chegar às estrelas.
— E o peso dos bolsos? — perguntava a mãe. — Prendia-te ao chão.
O rapaz mordia o lábio inferior, hesitava um segundo mas não desistia.
E, todas as noites, quando cansado, finalmente adormecia, a mãe costurava-lhe um casaco com asas e escondia-lhe, nos bolsos assim-assim, estrelas, pingentes e cogumelos encarnados que recortava em feltro tosco, para que ele se surpreendesse nesse Natal e fincasse um pé na terra, porque o outro precisa de ar.
Nas traseiras do prédio onde moravam, protegida do barulho e da agitação da cidade, existia uma árvore grande despida de folhas, que quase tocava nas varandas antigas de ferro forjado. Na primavera surgiriam os rebentos e encher-se-ia de pássaros e folhas, mas, por ora, não.
Uma madrugada, uma luz estranha acordou-o. Aos pés da cama o casaco novo que a mãe lhe fizera e o rapaz pegou nele, contemplou-o, revirou-o, confirmou a existência das asas e por fim vestiu-o. Era tão lindo e sentia-se tão excitado que abriu a portada e saiu para varanda. Colocou os pés na parte de baixo das grades, abriu os braços e gritou. À sua frente, a árvore grande e despida, e junto ao tronco caída na terra estava uma estrela e nunca tal facto fora antes visto e o coração do rapaz saltou-lhe no peito e um arrepio fê-lo tremer. Num impulso, desceu as escadas a correr, saiu para a rua, pegou na estrela e ela brilhava na palma da sua mão.
Ninguém poderia afirmar se ele voara, se trepara um a um os ramos nus, ou se apenas sonhara. Mas leve, tão leve era o rapaz, que colocou a estrela no cimo da árvore e o seu brilho redobrou. Depois imobilizou-se um segundo a ganhar forças para a descida e, porque era glacial a madrugada, meteu as mãos nos bolsos assim-assim para se aquecer e sorriu. A cada ramo prendeu um pingente ou um cogumelo encarnado ou uma estrela de feltro tosco. E porque dormiam, ninguém poderia afirmar se ele voara, saltara ou simplesmente sonhara.
À noite o rapaz sentava-se num banco baixo junto dela e as agulhas iam e vinham e as linhas de cor e lá fora na rua gelada o ruído dos elétricos sobressaltava-os sempre um pouco, apesar de ali habitarem há uma eternidade. Para o rapaz a eternidade tinha dez anos, exatamente a sua idade, acrescida dos três anos que o separavam do irmão mais velho.
— Se tivesse um casaco com asas e muitos bolsos — dizia — levaria comigo tudo de que preciso e poderia voar até ao cimo das árvores mais altas ou dos cumes das serras ou dos mastros dos navios. Ou chegar às estrelas.
— E o peso dos bolsos? — perguntava a mãe. — Prendia-te ao chão.
O rapaz mordia o lábio inferior, hesitava um segundo mas não desistia.
E, todas as noites, quando cansado, finalmente adormecia, a mãe costurava-lhe um casaco com asas e escondia-lhe, nos bolsos assim-assim, estrelas, pingentes e cogumelos encarnados que recortava em feltro tosco, para que ele se surpreendesse nesse Natal e fincasse um pé na terra, porque o outro precisa de ar.
Nas traseiras do prédio onde moravam, protegida do barulho e da agitação da cidade, existia uma árvore grande despida de folhas, que quase tocava nas varandas antigas de ferro forjado. Na primavera surgiriam os rebentos e encher-se-ia de pássaros e folhas, mas, por ora, não.
Uma madrugada, uma luz estranha acordou-o. Aos pés da cama o casaco novo que a mãe lhe fizera e o rapaz pegou nele, contemplou-o, revirou-o, confirmou a existência das asas e por fim vestiu-o. Era tão lindo e sentia-se tão excitado que abriu a portada e saiu para varanda. Colocou os pés na parte de baixo das grades, abriu os braços e gritou. À sua frente, a árvore grande e despida, e junto ao tronco caída na terra estava uma estrela e nunca tal facto fora antes visto e o coração do rapaz saltou-lhe no peito e um arrepio fê-lo tremer. Num impulso, desceu as escadas a correr, saiu para a rua, pegou na estrela e ela brilhava na palma da sua mão.
Ninguém poderia afirmar se ele voara, se trepara um a um os ramos nus, ou se apenas sonhara. Mas leve, tão leve era o rapaz, que colocou a estrela no cimo da árvore e o seu brilho redobrou. Depois imobilizou-se um segundo a ganhar forças para a descida e, porque era glacial a madrugada, meteu as mãos nos bolsos assim-assim para se aquecer e sorriu. A cada ramo prendeu um pingente ou um cogumelo encarnado ou uma estrela de feltro tosco. E porque dormiam, ninguém poderia afirmar se ele voara, saltara ou simplesmente sonhara.
Manuela Baptista
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