domingo, 5 de março de 2023

Conto do mês - Vantagens da leitura

 
- Mãos no ar - gritou o caçador para a lebre. 
- Qual quê! Toca mas é a correr...
- Pára ou eu disparo - voltou a avisar o caçador. 
Pois sim! Pernas para que vos quero...
Vai daí, o caçador disparou. Disparou, mas não acertou. Foi a sorte da lebre.
De moita em moita, rasteirinha, a lebre chegou, quase sem fôlego, à toca da família.
Pânico geral entre os parentes.
- Não posso acreditar - dizia a bisavó. - Aqui nunca houve caçadores.
- Nem o velho Hipólito os consentia, nos arredores da herdade - acrescentava a avó.
Assim em paz tinham vivido há gerações, mas o que não sabiam era que o dono da herdade já morrera. Também não sabiam que os filhos do senhor Hipólito, pouco dados à vida do campo, tinham vendido toda aquela imensidão de terra a um clube de caçadores.
- Ninguém nos avisou - protestaram as lebres.
Por sinal que tinham sido avisadas. Se as lebres soubessem ler, teriam lido no jornal da terra o anúncio da venda. Também um edital, pregado no tronco de um sobreiro, à entrada da herdade, noticiava a mudança de proprietário.
Finalmente, vários letreiros, onde estava escrito TERRENO DE CAÇA, espalhados um pouco por toda a parte, informavam que aquele território deixara de ser seguro para lebres e coelhos.
Foi a partir deste incidente que as lebres decidiram todas aprender a ler. E, já agora, mudar para um sítio mais sossegado.

António Torrado
Ilustração de Cristina Malaquias

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